quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A maré

giro rapidamente
sobre pedras e caminho
como quem nem sente
o perder de gotas no espaço
corto a terra sozinho
veio de águas de mim
esparsas vagas musicais
deitam no vento
e só no alento
dos braços meus
suspiram vaporosos
pontos de intercessão
sorriso e brilho de sol
batendo em água rodopiante
a velocidade ascende
nenhuma essência se prende
transpassa intensamente
por um caminho errante
o sonoro florescer
rio baixo
mar adentro
evaporo

lá onde o mar me beberia
é onde desembocaria
depois de correr o mundo
sóis minerais
e chuva de verão
pra tropeçar da cabeceira
pelo caminho feito
dormir tranqüilo no leito
lá onde o mar me beberia
cama de ondas
que alisam a praia

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

prosódia

faz tempo
que só o corpo fala
e a pele repara
arrepio profundo
sensação mais cara
peso de levantar mundo
lençol que não cala
noite mata manhã
e renasce madrugada
vermelha de vontade
ventando na cama
à sombra de mim
aquece alguém
amanhecer

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Precipitar

ilumina céu
ronco sonolento e sonoro
como cochicho de nuvens
tocam-se
chocam-se
estática de seres imensos
decidem o mundo
pelo mundo que veem
chove.
precipitadas, chovem e encharcam
a rua que passa em frente à casa
eu que, turgidamente, corro
piso em poças
pulo dias
e derreto em gotas bem definidas,
tranco a noite do lado de fora
guardo calor do lado de dentro
condenso no teto e disparo um raio
livre de estrelas
rezo alto enquanto caio
desfaço só
no que só eu faço
em dias de sol
pingos
no chão.

domingo, 28 de novembro de 2010

canção de ninar

vertiginosamente desço
cortando céu em meio acorde
brilhando muito
descendo muito
rasgando a seda azul-clarinha
batendo os pés no alto monte
tomando impulso pra outro salto
deixando a noite meio sem jeito
cambaleante, quase sozinha
mergulho mar por um segundo
apago em mim, que já fui sol,
sonhos e raios, o meu sorriso
me visto todo em arrebol
me ponho em cama
de horizonte

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Equilibrista

dispersa, azul, metódica
a vista embaça em meio céu
balanço e desconcerto de passadas
na corda quase solta que me prendo
eterno orquestrado, quase um drama
prosódia de sussurro em meio tom
a brisa que refresca quase assusta
desequilíbrio perfeito e sintonia
daqui, no balançar, eu vejo
com outros olhos, ou um mundo que não via
só pé e linha, braços bem abertos
a confiança que não sei de onde tiro
um passo em falso e já não caio
só respiro
imensidão da pequeneza que nos cerca

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

pluvius aestivus

cair sem medo
cortar o ar
liqüefeito insurgir
e teu corpo cobrir
molhado de mim
quase em segredo
matar teu calor
em dia de sol
cobrir todo céu
uma nuvem pesada
só pra existir
por existir

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

um peso e o dormir

maleável ao toque
pensamento de ferro
dobrável à mesa
um chá de canela
incensa o olfato
recobre a pele e arrepia,
lençóis
de chumbo
não voam.
entre cama e teto
travesseiro e repouso
respiro
não vive

Clarabóia

risco alheio páginas
dobro, eu, não olho
por cima da alta mesa
madeira ranhuras e pele
misturam na tinta fraca
um pote e vidro claro
desturvam visão opaca
em toque, despropósito
risco anseio à pele
anseia a tinta e eu
rasure minha soleira
tatue no mais profundo
pilar que sustenta o mundo
um sorriso
e uma nuvem

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

endiescer

tudo nascerá um só
amanheço no meio de uma tarde
enluarei junto da estrada
olho não passar nada
grilo que não faz alarde
mundo se desfaz em pó

domingo, 6 de junho de 2010

IV

e já não paro de falar
mesmo que só sussurros
batuco notas nas paredes
musico versos e verões
ou grito alto dentro do carro
quando ninguém me ouve
pra não sentir só
sem um sotaque
quietude perfeita
e imensa em mim

é que não te sentir é insuportável
mas
o que eu não aguento é o silêncio

aquele que você deixa quando sai



em todos
os
meus sentidos...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

retoque

no encontrado sopro
um calado vento
dois sentados corpos
um teto sereno
calmaria dos mares
acalmaria a boca
sentido meu norte
ponteiros virados
em cordas musicais
olhos calados
blues sentirei
soul escutei
o jazz que farei
de hoje em diante
quebra o passado
em estilhaços de mim
recolhi e montei
em moldura distante
um mosaico enfim
Não
ele não tem fim
sua parte em mim
e aquele frio na barriga que não some

terça-feira, 1 de junho de 2010

Nau do meio caminho

invade caminhos
abrindo espaço
nudez e entrelaço
partem cristais
e taças delicadas
invasão de estradas
batendo na porta
do meu pensamento
morada dos olhos
chão do falar
descanso da alma
uma cama torta
acalento e calma

Cabeceira

sobe fagueira
dançando no escuro
pequena e fina
dobrando esquina
do pensar sem muro
luz de velas
sapateia leve
fagulhas de ar
borbulhas de mim
desfazem o véu
mostrando a tez
e por um acaso
quase um talvez
não sinto frio
nem chama
subo fagueiro
abraçando o claro
óbvio incontestável
escrevo nas paredes
segredos em nossa língua
que são pra você tocar
são pra você só ler
só pra você
passar
e lembrar de mim.

domingo, 30 de maio de 2010

as velas e eu

contrai retina
a luz que bate forte
com um pouco de sorte
meu olho fascina
um tango sem pesar
samba sem tristeza
então toda beleza
me ponho a enxergar
dança de velas bailando
silhueta que será janela
cheiro de manhã lembra ela
numa poesia vem chegando
pra lembrar
esquecer
me deitar
e acordar
sorrindo

quarta-feira, 26 de maio de 2010

1805

Entre pés os ladrilhos
enquadram sem molduras
sorrisos e segredos
carinhos matam os medos
ladrilhos e torturas
passam linhas e brilhos

Entre segundos sem fim
um pensamento calado
nas noites acumula sombra
o canto do quarto assombra
quando não a vejo ao lado
mas só dentro de mim

aqui guardo o melhor
envio num envelope
busca a mão a galope
do corpo o melhor toque
os dedos a escrever
o mais fácil a perceber
é soma de dois contados

domingo, 16 de maio de 2010

semeador

A nuvem desce como cobertor
e sobre a casa grande pousa leve
molha, encharca, inunda meu jardim
retoques das cores que não haviam em mim
em cada gota sua que em breve
tocar a minha face com todo calor

sou hoje o templo onde seu sorriso se esconde
fascínio e areia de ampulheta

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Dança

só quando é noite
na tinta de minha pele
dança carícia morna
e o desenho se torna
nosso palco de Calíope
com sua voz em açoite

justo como quem sente
acordo a perceber
enganador de sentidos
ferventes e confundidos
acalenta o corpo um lençol

no peito abrasado
a certeza que era seu
o toque que é só meu
insônia do olhar calado

Sorrir de um mesmo modo
uma imagem em aquarela
aquiesce meu quarto escuro
e meus olhos que são dela
dança dos sonhos
sacode a alma

sapatilhas e um segredo

domingo, 9 de maio de 2010

Dentro dos meus olhos

a todo momento
meu espelho insinua
detalhes amaciados
travesseiros embolados
uma silhueta nua
transborda minha cama
e como quem ama
adormeço tranqüilo

sexta-feira, 7 de maio de 2010

fogo sem artifício

toca no vazio
deitado na areia
Ampulheta corre depressa
a agonia que não cessa
Fogo correndo na veia
acende meu pavio

o toque na pele
sem toque

terça-feira, 4 de maio de 2010

Topo do mundo

enquanto o céu separa os limites
da compreensão e do querer bem
alcanço a montanha e o cume
visto gotas de seu perfume
deito no alto mais alto que vejo
despido do mundo
mergulho bem fundo
onde não há saída
sublimo desejo

Pergunta (dentro da garrafa)

Quando sobe a noite
e a escuridão abraça
quebrando ventos e vidraça
Quebra-mar e açoite
nas vagas o barco desce
e sacode
tempestade já não pode
naufragar em mim
aquilo que não ancora

envio numa garrafa
a pergunta que há
ou não há
resposta

sexta-feira, 23 de abril de 2010

pisar o pé no chão
e sentir o duro concreto
nunca foi meu forte
prefiro a poesia
anoitece em pleno meio-dia
e me deita em panos
brandos

domingo, 18 de abril de 2010

dibujos en mi cielo que se quedan

Aqueles que procuro
me fogem às pressas
lá de longe trazem
em retorno a tempestade
com solos de bandolim
e um sorriso raiado
rasga o céu agoniado
desagua sobre mim
uma nuvem desenhada

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Outono em meu varal de roupas
desfolha peças de cetim
pousam leve no quintal
recortes sobre o chão gramado
desenhos de pincéis bem finos

Resposta ( dentro da garrafa )

ventei frio pelas dobras do alto
Espumas brancas de um Mar altivo
saltos de um coração revolto
encontro na praia
a paz
e uma concha

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Gotejar

De ponta a ponta deixar molhar
a chuva acaricia as duas faces
a faísca que pula no entre-olhar
sambando num jazz particular
tornando um só,
o antes, partes.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O deitar

Deitam nos lençóis verde claro
Que cobrem o corpo devagar
Batidas de um coração vazio
Imenso como a cama que se estende
Completamente cheia de sono
Dorme,
Esquinas de vapor
gotejam
a noite.

O despertar

Tecem fios suaves,
Sobre a mesa quase branca,
Pequenos pedaços de mim
Por entre xícaras e sono...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Orquestrado

Sublimo entre minutos sem bordas
Surdo, o mundo me leva
Distante do destino que espera
Aquecer as mãos que já não tocam
A face do espelho que me mostra
Noutro rosto, tão suave a vaidade
Me carrega, música poente
Sinfonia calada
Grita no peito
Delirante...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Onde o pensamento faz a curva

Ser vento que risca distância
Faz curva onde ninguém sabe
Sopra as folhas do jardim
Carrega poesia que arde
Refresca a boca carmim
Toca o meu seio da face
Tira a falta de mim.

Aquela falta que não se sabe
Se é do tudo ou do nada
Dentro de uma madrugada...

domingo, 11 de abril de 2010

Som do relógio.

No toque da viola e dos versos soltos
Não chega a morte que tudo carrega.
Medo do toque, medo da sorte,
Do nada que sobra no canto da sala.

Arrasta o que resta, medo da estrada,
Canta tristezas e elegias do sertão,
A noite na sola da botina encaixada
Com força nas rugas da face da Terra

Parte em segundos, tocados, farpados
Me tira de casa e arranca meu tento
O pálido rosto do sagaz relógio
O mundo aquém eu e meu medo do tempo.

sábado, 10 de abril de 2010

Contra toda sede

A água escorre da mão baixa,
Reflexos de um rosto se vão.
Surgem versos das gotas
Que à minha mão estão
Preenchendo o vazio
Que as más gotas deixaram.

Tudo pra dar de beber
A quem tem sede,
E saciar minha vontade
De ser sempre mais que poça,
Maior que nuvem carregada,
Quem sabe um dia, talvez, mar.

... ...


A poesia me encharcou. Me afogo sorrindo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A cuíca do tempo

Pras horas de seda que vão,
Minutos de aço que ficam.


Danço um samba desencontro sem pandeiro
Noite adentro na roda da ciranda
Pra , encontrado, o mundo inteiro
Saiba que lá longe vive meu samba
de pé ante-pé, leva meus dias
Sonolentos de noites perdidas
à procurar por aqui o tom certo
do samba que ouvi por aí.
por lá,
Dentro de mim, talvez.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

quarta-feira, 3 de março de 2010

Condução

O rosto que toca o frio metal
É só um rosto que sente frio no balanço suave,
No vaievém dos rostos e maos que sentem frio também.
E o calor, o calor era aquilo que não sentiamos mais.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Passageiro

Parado, para a dor.
E no meu aparador de sonhos
Só sonhos nuvens trespassam.
Daqui surgem e sobem fugindo
Chegando ao limite de minha razão
Quebram em gotas brilhantes e plenas
Encharcam-me a face, o mundo, meu
Sonho maior é sentir o orvalho
Que dos outros foi sonho um dia
Sorver todos eles, dispersos, etéreos.
Crescer como nuvem que sobe
Pra olhar o mundo de cima
Eu, que nunca voei.
Eu, que nunca temi.
Em um dia qualquer que chegasse
Na borda do céu condensante
Bater com força e quebrar-me
Em gotas dos eus e trovão
Pra chover, eu e meus sonhos
Num dia de sol. De sol.

Intangível

​Exú corre no rio E atravessa o tempo Não tem pegada ou encruzilhada Exú corre no rio Tempo avesso e através.